domingo, 25 de janeiro de 2015

Resenha: As sombras de Longbourn


Nome Original: Longbourn
Autora: Jo Baker
Ano: 2013 (publicação original)
Editora: Companhia das Letras



“Sob o comando da  senhora Hill, governanta e cozinheira de Longbourn — casa onde vive a família Bennet (sim, aqueles Bennet) —, trabalham Sarah e Polly, duas jovens trazidas de um orfanato quando ainda eram crianças para servirem a casa, e o idoso senhor Hill, um senhor idoso e esposo da governanta que trabalha como mordomo da família Bennet, servindo a mesa e dividindo a administração da casa com sua esposa. Juntos, os quatro formam um pequeno exército de empregados que labuta dezoito horas por dia para que a família Bennet goze do máximo conforto possível [...] A vida destes quatro criados começa a mudar com a chegada de James Smith, um jovem lacaio recém-contratado, que irá movimentar o andar de baixo da casa, revelando antigas tensões entre empregados e patrões”  - Resumo com adaptações.



 Ao ler esse breve resumo, os leitores de Jane Austen perceberão logo que estamos falando de um lugar e de personagens conhecidos. E não é apenas impressão! A autora de Sombras de Longbourn se inspirou na obra Orgulho e Preconceito. Jo Baker é uma admiradora da romancista inglesa e sempre se perguntou como seria poissível que as quatro irmãs Bennet estivessem sempre impecáveis para os bailes, como seria a vida em sua casa, ou ainda quem eram as pessoas que passam desapercebidas na obra de Austin, mas que são imprescindíveis para os protagonistas, seja servindo a mesa ou engomando as inúmeras saias das moças. Em uma época na qual não havia máquinas de lavar e os caminhos não possuíam pavimentação, quem se ocuparia de limpar a lama dos sapatos, lavar os vestidos, engomar os laços?

Assim, Jo Baker mergulha nos bastidores da casa dos Bennet, contando a história desses criados que são "invisíveis". A governanta e cozinheira, sra. Hill, comanda a casa, organizando o trabalho de duas criadas, Sarah e Polly, jovens trazidas de um orfanato para trabalhar na casa. O idoso mordomo, marido da governanta, o sr. Hill, cuida dos animais, serve a mesa, abre a porta aos visitantes, leva recados. Esse grupo trabalha 18 horas diárias, para que a família Bennet tenha conforto e possa ser apresentável perante a sociedade. O pequeno exército de criados dos Bennet vê sua vida mudar quando um jovem rapaz, James Smith, chega para fazer parte dos empregados da casa e altera a harmonia no "andar de baixo", trazendo à tona antigas tensões entre patrões e empregados e revelando histórias que estavam muito bem guardadas.

A autora fez uma excelente pesquisa sobre o cotidiano das pessoas simples do início do século XIX. Esses “anônimos” da História não possuem referências históricas, documentação extensa ou mesmo registros do seu estilo de vida, o que torna a obra Sombras de Longbourn um excelente romance de época. O estilo da autora é fluido, agradável e prende o leitor. Enquanto a obra de Austin termina com o noivado da jovem Elizabeth Bennet com o Sr. Darcy, o livro de Jo Baker vai além, contando uma possível continuação da história dos personagens de Austin e contando o que ocorre com os empregados de Longbourn.

O livro de Baker é dividido em quatro partes: livro um, dois, três e finis. O primeiro é uma introdução dos personagens, quem são e o que fazem. O segundo é o desenvolvimento da história, quando a jovem Sarah se interessa pelo criado dos vizinhos, a família Bingley (rapaz que se torna marido de Jane Bennet, na obra de Austin) e descobre sentimentos com relação a James Smith, o misterioso novo criado da casa Bennet.

O livro três intercala acontecimentos entre os criados e os patrões, já que na obra de Austin, as irmãs Bennet se envolvem em mil confusões, criadas principalmente pela senhora Bennet que não vê a hora de arranjar bons casamentos para suas filhas. Essas confusões no "andar de cima" comovem e atrapalham a rotina do "andar de baixo". É nessa parte do livro que histórias do passado vêm à tona e descobrimos coisas inimagináveis. E finalmente, o finis, que é uma espécie de epílogo, doloroso e triste em alguns aspectos, já que para as pessoas comuns, criados, não existe fins mágicos ou “felizes para sempre”.

A obra retrata os personagens de Jane Austin de um ponto de vista novo, como pessoas que não se importam com seus empregados, que consideram o fato de dar um teto, comida e um pequeno salário ser o suficiente. As irmãs Bennet, da visão das criadas, são mimadas, fúteis e inocentes. Porém, Jo Baker em nenhum momento descaracterizou os personagens de Austin, ela apenas deu um outro ângulo de suas personalidades. Por exemplo, o charmoso, orgulhoso e altivo sr. Darcy aparece aos olhos das criadas como alguém que passa como um furacão, sem olhar para os lados, sem agradecer ao receber sua capa e chapéu, sem sequer perceber que existe uma pessoa lhe servindo e não uma peça do mobiliário. Mas na época, essa era a atitude de pessoas educadas refinadamente, pessoas da alta sociedade para as quais a criadagem estaria sempre feliz em servir. Isso torna a obra de Jo Baker tão interessante, pois retrata os sentimentos e experiências dessas pessoas que estão à sombra.

Os personagens de Baker são profundos e bem definidos. Os que a autora “pescou” da obra de Jane Austin possuem as mesmas características originais: Jane é uma inocente tolinha; Lizzy continua com sua postura de quem sabe de tudo, mas que não vê o que precisa ser visto; Kitty é imatura; Lydia não tem consideração por ninguém; e Mary é a irmã deixada de lado. A sra. Bennet é frívola e tola, tanto que quase desgraçou a casamento das filhas com partidos que estavam "muito acima" das condições sociais das meninas; o sr, Bennet é o típico patrão do século XIX; e o sr. Collins é o sujeito esquisito que ninguém admira ou entende.

Quanto aos personagens criados por Baker, eles são intensos, profundos e bem definidos. Quase dando a sensação de que foram pessoas de verdade, com seus medos, inseguranças, certezas e dúvidas. Cada um tem uma história de vida, por trás do que é retratado nas linhas explícitas da narrativa. Sarah é uma jovem realista, embora cheia de sonhos. Uma moça que sabe bem onde sua condição social poderá levá-la. Polly é irritante, mas é apenas uma menina órfã, que se deslumbra com o estilo de vida dos patrões. O sr. Hill nos dá a impressão de ser um bobalhão, que recebe ordens da esposa e não tem voz ativa para nada. Mas ao final da história ficamos sabendo de seus motivos para não chamar atenção sobre si mesmo. A sra. Hill teve uma juventude difícil, por isso ela cuida das jovens com mão de ferro, sendo até injusta algumas vezes, mas quando ficamos sabendo de seus motivos, passamos a vê-la de uma maneira diferente. E por fim, o misterioso James, que tem bons motivos para passar despercebido e para esconder seu passado.

Alguns leitores acharam a leitura difícil por contar com palavras rebuscadas. Não li no original para saber se também está assim. Acredito que o tradutor tentou deixar um ar de século XIX no uso de seu vocabulário. De uma forma ou outra, não é nada que atrapalhe o entendimento da narrativa. Palavras pouco usuais têm o dom de aumentar nosso vocabulário. Gostei da obra, mesmo não sendo meu estilo de literatura preferida. Vale a pena ler, de preferência se você já leu Orgulho e Preconceito, ou ler Austen após ler As sombras, sua visão dos personagens com certeza será outra. 
Boa leitura!

2 comentários:

Juliana Albuquerque disse...

Gostei bastante da resenha. Adicionei na lista para ler

Francine disse...

Faz tempo que não leio histórias passadas em séculos passados.
Eu nunca tive problemas com esse tipo de leitura, com 14 anos eu lia e corria para o dicionário ver o significado, se bem que pelo contexto já é possível compreender.
Me interessei pela obra ^^
E parabéns pela resenha.
Beijos

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